“A favela é o quarto de despejo de uma cidade.”
Eu precisei de uns 20 anos para estar pronta para esse
livro. Ele dói. Dói porque é uma história real. Dói porque mesmo 60 anos após o
seu lançamento, permanece brutalmente atual.
Minha mãe tinha esse livro, mas já estava bem surrado por
ser uma edição antiga. Na adolescência eu me lembro de ter folheado e lido
algumas passagens aleatórias, mas na época não foi o suficiente para me
prender. No início desse ano um podcast que eu acompanho indicou a leitura e eu
resolvi que havia chegado a hora. Para minha surpresa, não encontrei uma versão
digital (a maioria das minhas leituras é no Kindle), então acabei comprando o livro
físico na Amazon.
Comecei essa leitura bem no início da pandemia, o que pode
não ser exatamente o momento ideal, mas acho que serviu para que eu me sentisse
grata por absolutamente tudo que tenho. O mais difícil, com certeza, foi passar
pelos relatos de fome, uma coisa totalmente fora da minha realidade e, provavelmente,
da sua também.
Carolina Maria vive numa favela em São Paulo, nas margens do
Rio Tietê, com seus 3 filhos. Em seu diário ela conta 4 anos de seu cotidiano
que envolve dificuldades, humilhações e, principalmente, a batalha para
conseguir comida para os seus filhos, o que nem sempre era possível.
Pela narrativa percebemos que Carolina, mesmo com toda a
miséria com a qual precisa conviver, é uma pessoa instruída, gosta de música e
leitura. Pelos seus olhos vemos os políticos que visitavam o local somente em
busca de votos, as brigas entre os vizinhos, a luta para manter os filhos longe
do crime e a fome como sombra eterna.
“Fiquei nervosa ouvindo a mulher lamentar-se porque é
duro a gente vir ao mundo e não poder nem comer. Pelo que observo, Deus é o rei
dos sabios. Ele pois os homens e os animais no mundo. Mas os animais quem os
alimenta é a Natureza porque se os animais fosse alimentados igual aos homens,
havia de sofrer muito. Eu penso isto, porque quando eu não tenho nada para
comer, invejo os animais”
Tudo que Carolina queria era sair da favela. Além das
condições precárias, ela não gostava da maioria das pessoas que lá viviam, dizia
que a favela corrompia as pessoas.
Carolina foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, que
a conheceu quando foi fazer uma reportagem sobre a Favela do Canindé e
descobriu que ela tinha um diário. Ao perceber a força do conteúdo, levou a um
editor.
O editor foi fiel à linguagem utilizada por ela, por isso
nem sempre a ortografia está correta. Foi uma escolha acertada, dá força ao
relato e mostra toda a sabedoria de uma mulher que não teve a chance de passar
pela educação formal.
Após o lançamento do seu tão sonhado livro, Carolina Maria
não venceu a pobreza, mas ao menos realizou o sonho de sair da favela.
“O que eu sempre invejei nos livros foi o nome do autor. E
li meu nome na capa do livro. ‘Carolina Maria de Jesus’. Diário de uma
favelada. Quarto de Despejo. Fiquei emocionada. É preciso gostar de livros para
sentir o que eu senti.”
Quarto de Despejo é um soco no estômago. Mas é o soco que precisamos.
É o choque de realidade para entendermos que há muito mais em nossa sociedade
do que a vista alcança.
Conta pra gente qual foi o livro que te deixou com essa sensação.